sexta-feira, 18 de abril de 2008

Para tudo há uma primeira vez...


Atlanta, 16/03/2008

Quando sai de casa, há duas madrugadas, olhei de relance para meu bom e velho companheiro de guerra e pensei: dessa vez você fica! Taxativa.
Troquei, sim, sem maiores constrangimentos, meu surrado e chechelento bloquinho de anotações por dedicação integral às apelativas águas azuis turquesa do Caribe.
E a vida, mais uma vez, me provando que eu estava errada...
Do Caribe, exatamente, trouxe de volta algumas poucas fotos de céu azul que, seguramente, seria da mesma cor ainda que meu destino tivesse sido Bagdá. Apenas algumas imagens do meu próprio desespero tiradas de dentro de um avião da Delta Airlines encarregado de me trazer de volta aos Estados Unidos na condição de deportada.
Humm.. Eis uma palavra forte. Forte e sem direito a brincadeirinhas literárias. Esta lá: assinado e carimbado pelo brigadeiro Victor, a autoridade do pequeno e insignificante balneário francês, Fort de France: D-E-P-O-R-T-A-D-A.

Parênteses sobre vossa excelência:
(negão 2x2, perfeitamente caricato: usava jeans, camisa de linho branca com listras rosa abotoada na altura do peito adornado com uma opulenta e reluzente corrente dourada. Prefiro não entrar no mérito da autenticidade do bibelô. Suava melado e se sentia rei entre meia dúzia de subordinados. O brigadeiro Victor, representante do Ministério do Interior daquele pais, não era um homem dado a diplomacia. E palavras como ética, dignidade e respeito muito provavelmente não têm tradução no seu dicionário)

Quando entreguei meus documentos para a mocinha da imigração, jamais poderia imaginar tão dramático desfecho:
Na ausência de uma resposta para meu insosso "Hi", me restou recolher minha insignificância e esperar pelo próximo passo.
Olho no passaporte, olho em mim, olho no passaporte. E lá vem a pérola:
- Brasileira??????
Confesso que a ironia me incomodou.
- Aham. Balancei a cabeça.
Não existiria pior resposta.
- Você não pode entrar aqui. Disse ela com um sorrisinho sarcástico.
- Ok. Vamos conversar sobre isso. Meu estômago gelou.
Tomei fôlego e continuei:
- Não preciso de visto para entrar na França. Porque precisaria de visto para entrar aqui?
Tá. Conclusão estúpida, mas pertinente.
Mas a resposta foi tão melhor:
- Porque aqui não é Paris, “Babe”.

Parênteses sobre geopolítica:
(O fato é que sabe-se lá porque cargas d`agua a ilha francesa foi o único "pais" da União Européia, além da Inglaterra que se recusou a assinar convenção de Schengen (Tratado que determina livre circulação de capital, pessoas e trabalho entre os países membros). Ok. Onde eu entro nessa estória? Simples: meu belo e azul passaporte brasileiro sem um visto específico para aquela ilha só me garante humilhação e dor de cabeça. Aliás, para ser bem realista, meu passaporte brazuca tem sido uma recorrente fonte de constrangimentos nesse mundão a fora).

Fui convidada a acompanhar a tal “oficial” até uma salinha abafada que supostamente deveria ser o Departamento de Imigração de Fort de France. Lá conheci o já famoso brigadeiro. A princípio achei que ele ia agilizar algum tipo de tramitação para o visto. Errei de longe.
Sem nem olhar na minha cara vossa excelência pegou meu passaporte, fotocopiou, preencheu um papel e assim todo prosa disse:
- Assina.
- Não assino nada que não entendo. Abusei.
- Esse papel significa que você está sendo deportada e partindo de volta para os Estados Unidos em 15 minutos.
Desespero.
Abri meu falador e gastei todos os meus recém adquiridos conceitos em relações internacionais para tentar convencê-lo de que alguma coisa podia ser feita a meu favor.
E ele ficou absolutamente convencido de que eu tinha de voltar imediatamente para onde eu nunca deveria ter saído.
Deu de ombros para o golpe do crachazão que tentei aplicar (afinal de contas, meu trabalho na ONU é voluntário, mas é na ONU!). Me agarrou pelo braço e me arrastou para dentro do avião.
Não tive sequer o direito de telefonar. Também não pude recuperar minha mala, nem a passagem de volta para Nova Iorque. Enfim, fui embora berrando, só com meu passaporte na mão. Poupa-los-ei de todos os detalhes constrangedores.
Mais seis horas de vôo, uma hora de atraso por conta de um (outro) tornado, (dessa vez, sem metáforas), que resolveu cruzar o meu caminho, duas horas suando frio na imigração dos Estados Unidos e por volta de 1h da madrugada consegui pisar em Atlanta.
A boa notícia: meu celular voltou a funcionar.
Cadija que liga pra Moema, que liga pra Anita, que liga pro Rafa, que liga para todos os hotéis lotados de Atlanta. Adivinha? A Liga mundial de basquete também cruzou o meu caminho naquela noite.
Duas da manhã. Consegui encontrar um hotel. Caio na cama. Nem a porra do Caribe podia me proporcionar sensação mais prazerosa.
Dormi o sono dos justos e paguei um preço pra lá de injusto. Voltei ao aeroporto por volta das 10h da manhã, certa de que voltaria para NY no primeiro vôo.
- A reserva da senhora foi cancelada.
- Ãnm??
- Como o seu cartão de crédito é estrangeiro não pudemos confirmar o endereço....
- e??
- E agora ou a senhora paga em cash ou fica por aqui mesmo.
- E quanto é?
- Mil dólares.
Nesse momento fui tomada por uma histeria que se manifestou em uma gargalhada sem precendentes.
Nem se eu tivesse... Digo, talvez se eu tivesse...
Outro desespero. Aquele seria o último vôo para a NY naquele dia.
Cadija que liga para Anita, que liga para André, que liga para a central de reservas da American Airlines, que descobre que nada mais pode ser feito. Cadija perdeu o vôo.
Já tinha desistido e resolvido chutar o balde, quando a Anita me liga e diz que o pai dela conseguiu reservar um vôo que sairia às 9h da noite. Queridos.
No total foram 12 horas no aeroporto de Atlanta. Nesse meio tempo tudo pôde acontecer. Da chegada de uma tropa de soldados do Iraque, o que provocou uma histeria geral no aeroporto lotado, ao telefonema surreal de uma das pessoas que presenciaram o meu desespero em Fort de France. O fato é que para cada um desses acontecimentos vale um novo texto, que muito provavelmente escreverei no sonhado momento do reencontro com meu bloquinho... Já nao há mais espaço em branco na minha carta de deportação.

Parênteses sobre o final da estória:
(9h17pm.
- Senhoras e senhores, por um problema técnico o vôo está atrasado por tempo indeterminado.
9h18pm
Não sei se dou gargalhada ou bato minha cabeça na parede.
12h30am
Hora de embarcar.)