quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Like a bird in the sky...


Flórida, 24/11/2007


Que maravilha seria se a semelhança com o Brasil tivesse ficado só no clima agradável, no mar azul, na brisa fresca... Hoje, especialmente, começo minha história pelo fim. Pelos últimos momentos de um feriadão atípico de cinco dias nos Estados Unidos da América. O vôo está atrasado. Atraso brasileiro, diga-se. Sabe-se lá porque, estou há quase quatro horas dentro de uma aeronave lotada, em terra firme. A criançada impaciente chora. Minha cabeça está a ponto de explodir. “Estará o tempo tão ruim em New York que não temos condições de decolar?”, me pergunto a cada dois minutos. Lembrei das aulas de Pescom, na UnB... Os ponteiros do meu relógio inexistente andam para trás... E eu, mais uma vez, comprovo minha capacidade ímpar de abstração... SS pra mim. Suspiro com paciência e levanto vôo para três dias atrás, quando meu temperamento impulsivo, apreço pelo perigo e incapacidade de dizer não me colocaram em uma das mais alucinantes experiências da minha vida. (Comparável apenas ao dia em que explorei um vulcão nevado em plena Patagônia...) Enfim... A situação era praticamente a mesma, mas o avião, aproximadamente, 20 vezes menor. Também não tinha acentos. Aliás, tinha um, o do piloto. Para o resto da tripulação – eu e mais duas pessoas, no caso – um carpete surrado estava de bom tamanho... Do meu lado, alguém, tentava me fazer fixar todo o procedimento. Eu, gélida, estática, respirava fundo e observava com atenção a altitude aumentar progressivamente. Na mesma proporção, sentia meus batimentos cardíacos ganharem força e velocidade. Estou presa a um outro corpo por cordas e mosquetões. Dez mil pés. Meu coração está na boca. A porta se abriu a minha frente. Tudo é muito rápido. Alguém me atira para fora. Dois segundos até meu cérebro processar a queda livre e .... estou voando.... voando.... Sensacional... O vento me ensurdece. Alguns segundos depois, o pára-quedas se abre. Um trancão e me sinto como se estivesse sido embalada a vácuo. O tempo pára. O silêncio impera. O sol brilha na lona colorida do equipamento e a vista lá em baixo é de tirar o fôlego. Podia congelar essa imagem para todo o sempre. Minha vida toda passa pela minha cabeça durante os 35 segundos de zigue-zague no céu azul... penso em alguém... queria que ele estivesse aqui agora... Grito o seu nome e deixo, mais uma vez, ele marcar o meu momento. Rio sozinha... Meus pés sentem o chão. Minha vida já não é mais a mesma.

Tic-tac-tic-tac


NY, algum dia de novembro de 2007


Seis e vinte da tarde. Acabei de entrar em sala de aula e me acomodar na cadeira. A sensação de sentir meus músculos descontraírem um a um é quase orgásmica. É a primeira vez que me sento ao longo do dia... Passei as últimas seis horas ou mais ziguezagueando entre as cinqüenta mesas do restaurante em que trabalho. Distribuindo sorrisos amarelos e esbanjando simpatia para quem nunca aprendeu a ser simpático (Pela simples razão de não precisar ser). Me esquivo de fazer qualquer esforço para entender a conversa que se desenrola a minha frente. Quero aproveitar esse momento. Sentir meu corpo relaxar e esquentar. Assistir meus dedos ganharem cor novamente... Sim, esfriou por aqui.Termômetros já marcam 32 graus Fahrenheit. O que isso significa? Experimente passar alguns minutos dentro de um congelador... Celsiusamente falando, zero grau. Nada mais, mas, muito provavelmente, menos. Questão de dias.
A chegada o inverno anunciada pelo Halloween reflete no astral das pessoas. No meu, principalmente. Me abstenho de fazer qualquer associação à data. Confesso não ser mística o suficiente para creditar uma sucessão de acontecimentos infelizes ao dia das bruxas. Mas não tenho como negar uma estranha coincidência. Será que deveria ter dado doces para aquelas crianças gordinhas de bochechas rosas que bateram na minha porta no último dia 31? Diz-se por aqui que o infeliz que não corresponde ao tal do trunk-or-treat está condenado a um ano sombrio e será atormentado por mortos-vivos nos próximos 12 meses. Sim, presentear as pequenas bruxas e franksteins com guloseimas variadas é a garantia de que sua alma será salva. E eu que pensei que não contribuir para a obesidade precoce dos americaninhos seria um bom negócio nessa história de pecados. Whatever. O fato é que simultaneamente aos ventos cortantes, uma crise familiar, uma intoxicação alimentar, quinhentos dólares debitados e não sacados e uma TPM sem precedentes tiraram a minha paz(ou algo parecido) nessa vida que palpita no meio da maior confusão da oitava avenida. Com todo o drama que me é peculiar, mergulhei num mar de questionamentos. E acuada pela opinião alheia, me tranquei em meu cubículo com vista para os fundos de um restaurante mexicano. Que sorte a minha. O dono deixou uma única árvore, já quase sem folhas, para me conectar, ainda de maneira imprópria, à energia da natureza. O sol não me alcança dali. Mas posso perceber sua coadjuvante presença nesses dias frios, quando me esforço para enxergar a copa do meu amigo eucalipto. Tenho coisas a fazer. Várias delas. Escrever e.mails, estudar, procurar um emprego mais excitante... Tenho que ligar para alguém? Provavelmente. Em vez disso, fico sonhando com as possibilidades. Taí. Virei prisioneira de tantas possibilidades. Ter muitos caminhos a escolher me paralisa. Essa imersão em meus pensamentos me atormentam. Olho ao meu redor. O tempo não passa. Um café. Café ajuda a passar o tempo. Outro ensinamento dos tempos corridos de redação.
Minha barriga roncou. Acabo de me lembrar que não coloquei nada no estômago além de diferentes sabores e variações de café...
“Do you have any questions?” Uma voz longínqua me força a aterrisar.
“None. This has been hopeful. Thank you”, respondi de sopetão.
Voltei. Oito e quarenta da noite. Acabou a aula. Preciso comer alguma coisa.

Sobre esse tipo de pessoa


NY 25/10/2007


“Meu pai é desse tipo de pessoa”, escutei por aqui. “Ela é mesmo o tipo de pessoa que faria isso”, ouvi dali. Já perdi inclusive as contas de quantas vezes fui agraciada com tão grande e igualmente inexpressivo adjetivo. Também não me “incluo fora dessa”, não. Muitas vezes me flagrei desejando não ser “esse tipo de pessoa” ou simplesmente denominando um determinado tipo de pessoa de determinado tipo de pessoa.
Pois bem. Sim, eu sou desse tipo de pessoa. Insegura, contraditória, intensa, mutante. Boa na essência. Má na efevercência. Desejo o bem, mas minha consciência não me permite afirmar que nunca desejei o mal. Choro de me arrebentar, rio até me acabar. Quero ir, mas também quero ficar. Tenho medo de começar por não saber como vai acabar. Ou de acabar por não saber o que começar...
Sim, eu sou esses, e quantos mais existirem, tipos de pessoa. E isso não me faz melhor, nem pior. Mas me torna exatamente igual a você. Minha qualidade mutante me joga para o mesmo saco de farinha da espécie humana.
Ihh... Será que me bateu um bipolar?
Sim, eu também sou desse tipo de pessoa.

...Cá, com os meus botões... (porque eu adoooro trocadilhos)


NY 19/10/2007



E eis que um único telefonema fez entrar para a história o curto percurso que separa o prédio da Universidade de Nova Iorque, onde busco algumas de minhas respostas, da mesa do bar mais próximo, onde busco outras tantas. A notícia de que meu melhor amigo, irmão, companheiro de tantas aventuras, em aproximadamente nove meses, trocaria as taças de champanhe pelas mamadeiras quentes madrugadas a dentro veio como um espécie de tremor de sete graus na escala richter. Os últimos sacolejos dos últimos meses, -- tão intensos quanto doloridos, tão alegres quanto representativos --, já vinham me alertando para uma realidade iminente: a vida mudaria. E se restava alguma dúvida, ela foi à baixo junto com “casa que caiu”, nas palavras assustadas e entusiasmadas que ouvi naquela noite do dia 18. Pronto. Mudou. Não falo da minha, em especial. Falo, de um modo geral, de todos os envolvidos nessa caminhada. Sim, um novo ciclo se inicia. Um ciclo que traz consigo uma tsunami de novos questionamentos, possibilidades e responsabilidades. Uma fase em que antigos conceitos começam a ser revistos e reavaliados e em que novos posicionamentos precisam ser tomados. E confesso que me sinto assustada. Ou melhor, atormentada pela minha autocrítica. Não pelo fato de não saber fazer. Mas, pelo simples fato de ainda não me sentir preparada para ser. Porque a sensação é de que quanto mais me preparo, mais tenho a aprender. “Inacabada e inacabável”, como o Livro do Desassossego, de Pessoa: “Sem enredo ou plano para cumprir, os seus horizontes foram se alargando, os seus confins ficaram ainda mais incertos, e a sua existência enquanto livro cada vez menos viável”.
Enfim, tenho toda uma crise precoce dos 30 para administrar. Não me estenderei mais. Apenas deixar os meus sinceros parabéns, além de expressar minha solidariedade, para os alguéns envolvidos nesse processo, meus melhores amigos. Amo vocês.

Nós, os palhaços


NY 10/10/2007


A Anita veio toda orgulhos me mostrar o texto, muito bem escrito por sinal, em que sua irmã mais nova é citada como uma das grandes promessas para o teatro brasileiro. Bah! E não é que a guriazinha, do alto de seus 13 anos, colocou o nariz de palhaço, subiu no picadeiro, encarou, com a segurança que nem os mais experientes desfilam, uma platéia de sei lá quantos e arrancou sorrisos e gargalhadas até dos mais avessos à palhaçada. Não conheço a corajosa Nina, mas me orgulhei de seu potencial revelado e reconhecido. Enfim... o fato é que lendo sobre a arte do palhaço, e sobre o quão difícil, por mais contraditório que isso possa parecer, é fazer pessoas sorrirem, encontrei uma espécie de lição, que serve pra todo mundo. Porque no fundo, bem lá no fundo, somos todos um bando de palhaços tentando nos desviar dos tomates nesse enorme picadeiro. E, sim, agoniza um frio na barriga só de pensar que alguém pode querer mirar um tomatão em você. E mais ainda que o tomate, as latas de cerveja os cascas de banana podem te acertar e até te derrubar. E aterroriza pensar que você vai ter que levantar e encarar toda a platéia de novo. ‘Eles vão achar que eu sou um palhaço’, você sua frio e pensa cheio de orgulho. Mas, peraí, não é exatamente essa a proposta?
A queda é parte do jogo, minha gente. Do palhaço em cima de palco, e dos palhaços embaixo dele. A questão é a importância que você dá a ela. E isso pode determinar inclusive o nível do seu desenvolvimento. Ou seja, assim como é impossível um palhaço ensaiar e não se apresentar, não podemos nós treinar e não jogar, não se arriscar, não cair. Afinal, é mais digno perder lutando do que nem tentar. E uma vez que a adrenalina cumpre o seu papel, todo o resto entra no ritmo.
“No início, o corpo é duro, débil, o pensamento não se conecta com o corpo e você só apanha, cai, fica imobilizado, sem reação. E assim você caminha, até que, com o tempo, seu corpo vai adquirindo um certo molejo, esperteza, e, aos poucos, aumenta
a capacidade de improvisar dentro daquele repertório de movimentos, de surpreender. O aluno aprende a jogar jogando e, conseqüentemente,aprende a cair”, dizia o texto.

Ganhos e perdas





NY – 28/09/07


Levava em minhas mãos contos de Nelson Rodrigues. Sabe-se lá porquê, me habituei às leituras mais densas depois de conhecer o famoso trem Q, rumo a Manhatan Beach. Fato é que, de alguma forma, a prosa rodrigueana aguçou minha predileção para o melodrama. E olhar para os lados sob esse viés acabou mostrando-se bem mais interessante.
O guri tinha lá seus vinte-e-poucos anos. Era desengonçado e não tinha cara de muitos amigos. Tocava um instrumento imaginário. Um violino, acho. Pelo menos era o que o movimento de suas mãos me remetia. Tinha sob as pernas um calhamaço de partituras velhas, e as estudava cautelosamente. Bem ali, no meio daquela gente que, como ele, exibia o cansaço de um dia inteiro de trabalho. Bem ali, no meio do balançar de um trem em alta velocidade. Sentia a música (música que só ele era capaz de ouvir), e expressava essa sensação toda vez que apertava os olhos ou prendia os lábios...
Alguns, como eu, ousavam acompanhá-lo. Um senhor boliviano sentado bem à frente examinava a cena com estranheza. Coçava o bigode. Trocava para a barba. Voltava para o bigode. Talvez se perguntasse de que hospício teria saído aquela pessoa. Talvez imaginasse que notas saíam daquele violino... Difícil prever.
Outros, no entanto, ignoravam o concerto com a indiferença de quem passa por um mendigo na rua. Uma figura de feição desagradável enganava o tempo com um notebook aberto. Ria com a boca cheia de saliva. Chegava a gargalhar. Por vezes tentei alcançar o motivo da graça. Entretanto, e com o perdão do pedantismo, nada que saísse daquele individuo seria capaz de provocar e mim emoção semelhante.
Me chamou a atenção a reação de um jovem casal, que enebriados um com o outro e potencializados por duas os três taças de vinho, dançavam. Abraçados e amolecidos pelas notas imaginárias de um violino imaginário, davam um passo para lá outro passo para cá em um amplo salão, também imaginário...
Eu, ahhhh, pra variar, chorava. E para minha surpresa, alguém percebeu. Assim me despedi do trem Q, rumo a Manhatan Beach: as portas se abriram pela décima oitava vez. Antes de descer e se seguir seu caminho, um homem jovem, que carregava uma bicicleta, me avistou lá na última cadeira do vagão, e segundos antes das portas se fecharem, soltou um beijo no ar e gritou, não chore mais.
Foi bonito enxergar um pouco de poesia na engessada e tantas vezes medíocre cena do dia-a-dia. Amanhã me mudo para o centro de Nova Iorque. Consegui alugar um apartamento com duas pessoas que conheci por essas bandas... Ganharei três horas no meu dia. Perderei, sim, alguns minutos de poesia. Mas assim é a vida.

Eu e eu mesma




NY 14/09/2007



Já passavam das 4h da manhã do dia 21 de agosto. O vôo rumo a uma nova experiência sairia em uma hora. Estava atrasada, como de costume. As malas no carro. A casa vazia. Me despedia do meu espaço... Um impulso quase inexplicável me fez colocar aquele livro na bolsa e partir. Poderia ter sido qualquer outro...
... Aquele livro... (suspiros)... Só viria a ser aberto duas semanas mais tarde, num dia de absoluta tristeza e agonizante sensação de solidão.
Tudo me pareceu familiar. Era como se fora eu a destinatária daquelas cartas, de tais palavras. Interagi com aquele livro (Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke) durante uma tarde bucólica no Central Park.
Não. Longe de mim qualquer pretensão ou predisposição para poeta, mas ali encontrei palavras e sentimentos em comum: vida, solidão, tristeza, amor...
Engraçado essa vida da gente. Engraçado como nossas respostas aparecem de repente. Engraçado como sentimentos tão assustadores são, na verdade, nossos grandes mestres. Lembro-me de ter escrito sobre isso, - sem muita segurança, confesso -, a um certo e importantíssimo alguém. Hoje, posso lhe dizer, era mesmo verdade.

“Que seria, com efeito, uma solidão que não tivesse grandeza? Há uma solidão só: é grande e difícil de se carregar. Quase todos, em certas horas, gostariam de trocá-la por uma comunhão qualquer, por mais barata e banal que fosse; por uma aparência de acordo insignificante com quem quer que seja; com a pessoa mais indigna. Mas talvez sejam essas, justamente, as horas que ela cresce, pois seu crescimento é doloroso como o de um menino, e triste como o começo das primaveras. Mas tudo isso não o deve desorientar. O que se torna preciso é no entanto isto: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo, não encontrar ninguém durante horas – eis o que se deve saber alcançar... Essa sua solidão há de dar-lhe, mesmo entre condições muito hostis, amparo e lar . E partindo dela, encontrarás todos os caminhos. Todos os seus desejos estão prontos a acompanhá-lo.

...
Perigosas e más são apenas as tristezas que levamos por entre os homens para abafar a sua voz. Como as doenças tratadas superficialmente e à toa, elas apenas se escondem e, depois de leve pausa, interrompem muito mais terríveis. Juntam-se no fundo da alma e formam uma vida não vivida, repudiada, perdida, de que se pode até morrer. Se nos fosse possível ver além dos limites de nosso saber e um pouco além da obra de preparação de nossos pressentimentos, talvez suportássemos às nossas tristezas com maior confiança que as nossas alegrias. São, esses os momentos, em que algo de novo entra em nós, algo de ignoto: nossos sentimentos emudecem com embaraçosa timidez, tudo em nós recua, levanta-se um silêncio, e a novidade, que ninguém conhece, se ergue aí, calada, no meio.
Parece-me que todas as nossas tristezas são momentos de tensão que consideramos paralisias, porque já não ouvimos viver nossos sentimentos que se tornaram estranhos; porque estamos a sós com o estrangeiro que nos veio visitar; porque num relance todos sentimento habitual e familiar nos abandonou; porque nos encontramos no meio de uma transição onde não podemos permanecer. Eis porque a tristeza também passa: a novidade em nós, o acréscimo, entrou em nosso coração e penetrou o mais íntimo recanto. Nem está mais lá – já passou para o sangue. Não sabemos o que houve. Facilmente nos poderiam fazer crer que nada aconteceu. No entanto, ficamos transformados, como se transforma uma casa que entra um hóspede. Não podemos dizer quem veio. Talvez nunca venhamos a saber, mas muitos sinais fazem crer que é o futuro que entra em nós dessa maneira para se transformar em nós mesmos, muito antes de vir acontecer. Por isso é tão importante estar só e atento quando se está triste. O momento aparentemente anódino e imóvel que o futuro entra em nós, está muito mais próximo da vida do que aquele outro, sonoro e acidental, em que ele nos sobrevém como se chegasse de fora. Quanto mais estivermos silenciosos, pacientes e entregues à nossa mágoa, tanto mais profunda e imperturbável entra a novidade em nós, tanto melhor a conquistamos, tanto mais ela se tornará nosso destino e quando, num dia ulterior, vier a “acontecer” -- isso é, quando sair de nós ara chegar a outros – senti-la-emos familiar e próxima. Deve ser assim.” Rainer Maria Rilke.

No more pictures for while….


NY 10/09/2007



Dias que não começam bem têm, normalmente, 90% de chances de não acabarem bem. Não sei por ainda insisto com esses 10% . Estive na iminência de pegar o trem de volta para casa e me trancar em meu quarto pelo menos umas 10 vezes ao longo do dia...
Enfim. Ontem foi um dia duro. "Hard" como se diz por aqui. Que já começou dando todos os indícios de seria assim. Acordei de ressaca e atrasada. Tudo muito recorrente. Porém, antes mesmo de abrir os olhos dei início à sucessão de ações infelizes que fizeram dessa sexta-feira um dia particularmente irritante. Um movimento brusco, proporcionado por um sonho desagradável, levou meu celular ao solo com uma estranha força. Quebrou-se a tela. Problema número um: perdi meu principal meio de comunicação: as abençoadas e baratas mensagens de texto. Pronto. Já tinha motivo suficiente para ficar em casa e decretar que meu dia de folga seria realmente de folga. Mas não.... a pessoa é do tipo de honra compromissos....
Tinha marcado com um suposto locatório de olhar um apartamento em Manhatan para alugar. Problema número dois: nome, endereço e telefones do indivíduo estavam gravados no aparelho que espatifou-se. Num esforço sobrenatural, consegui resgatar de minha memória alguns números e partes do nome da rua do local combinado. Fui. Sempre corajosa.
Peguei o trem e alguns poucos quilômetros mais tarde uma voz estridente anuncia que há fogo na próxima estação. Como assim???? Sim, pegou fogo (em NY tudo é possível, lembra?) .... e a viagem, pelo menos, naquela linha não poderia continuar... A essa altura eu já estava 20 minutos atrasada. Somando aí mais uma hora do percurso até o centro da cidade, concluí que chegaria ao meu destino cerca de uma hora e meia mais tarde. Só que não previ o que era mais previsível: eu me perderia. E essa uma hora e meia subiu para duas horas e quarenta minutos. É claaaro que o cara já tinha vazado. Tudo bem, vai... Eu também teria ido...
Decidi encontrar a Anita, que também não andava muito entusiasmada, para um happy hour. Me perdi de novo, quase cruzei a cidade a pé, e quando consegui chegar me deparei com três copos vazios de margarita e uma Anita naquele grau. Pegamos um taxi para um lugar mais legal... “Pô, hoje é sexta-feira.. Vamos curtir a night...”. E aí, aquela partezinha de memória que usei para resgatar o endereço do cara, provou que faria falta. Esqueci minha câmera novinha dentro do automóvel!!!!! Chorei de raiva. Me restavam duas opções: a casa (a uma hora dali) ou a jaca (ao alcance da mão. Ou do pé, nesse caso.). Fiquei com a segunda opção. Tomei meu primeiro porre nos Estates. Não lembrava de nada no dia seguinte. Menos mal. Tem dia que é melhor nem lembrar que aconteceu.

"Um verdadeiro matadouro"


NY 06/09/2007

Não consigo me conformar com a colossal distância entre a minha home sweet home e o centro de Nova Iorque, onde TUDO acontece. (E tudo, nesse caso, não é força de expressão). Por isso, constantemente, sou tomada por impulsos desbravadores e absolutamente idiotas, que invariavelmente, rendem cerca de duas horas dentro de um trem. De qualquer forma, e graças a um pequeno traço de personalidade poliana que consegui herdar de meus antepassados, consigo, sim, enxergar "lados bons" nesses perdidos pela Big Apple. Ainda que eles aconteçam depois de um dia inteiro de trabalho, à 1h da madrugada. Por exemplo: não é todo dia que se vê um mendigo todo sujo e rasgado curtindo uma musiquinha de seu I.pod e se atualizando com as notícias fresquinhas do New York Times... Só no trem Q, rumo ao bairro russo chamado Manhatan Beach. Foi também nesse mesmo trem que vi uma figura muito peliculiar e estilosa: um negro alto, enorme, de terno, camisa, cinto, gravata e chapéu pretos e sapatos brancos envernizados que combinavam perfeitamente com um enorme relógio de pulso que não funcionava!!! Ontem, depois de horas zanzando sozinha pela cidade, cheguei a três constatações implacáveis: se mapa servisse pra alguma coisa, não teria tanta gente perdida em Nova Iorque, e nunca, jamais, saia de casa sem um i.pod e uma câmera fotográfica.
Hoje, meus devaneios (com a ajuda da Anita) me levaram para Chinatown. Um bairro chinês que é, definitivamente, um matadouro para a fineza alheia... Presenciei um atropelamento... Foi triste. Entretanto, minha veia jornalística não me permitiu não fotografar... As pessoas olharam feio... Fingi que não era comigo. Um cheiro azedo na rua que parecia nos seguir, camelódromos e vitrines bizarras com patos e rãs montaram minha impressão sobre o bairro. Depois de alguns quarteirões, encontramos Little Italy. Em boa hora, diga-se. Meu estômago já estava quase do avesso...
Tarde horas marcavam no relógio e nós, muito corajosas, apostamos na sorte, e não mais nos mapas, para chegar em algum lugar legal... Saltamos na sexta avenida ... Adivinha? Bar brasileiro bombando!! hehhe
Foi divertido e ainda rendeu uma champa pra comemorar!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Babel


NY 01/09/2007


Faz pouco mais de uma semana...
Nossa! faz pouco mais de uma semana!! Repeti minha surpresa durante todo o dia. Engraçado isso... Já tive tantas impressões de Nova Iorque (boas, ruins, contraditórias, instigantes, assustadoras, bizarras...) que acabei desistindo de tentar defini-la. Encaixá-la em algum padrão é perda de tempo. Ganha-se mais, simplesmente, vivendo essa Babel. Essa cidade de todas as línguas, de todos os tipos, de todos os credos. Cidade das oportunidades... E é muito bom sentir-se parte desse zoológico.
Enfim... tanta coisa já aconteceu... em uma semana... que sinto como se vivesse aqui há anos...
Dois desses acontecimentos valem à pena mencionar aqui: 1. descolei um trampo. Restaurante legal. Gente bacana. Lado granfino da cidade. Recebo pessoas. Sorrio. Gasto meu ainda parco inglês. E os encaminho às mesas. 2. Comprei uma câmera para compartilhar impressões. Nada mais conveniente do que aliar os fatos... No álbum, os primeiros registros da minha nova aquisição durante a comemoração de meu primeiro dia de hard work. "Enjoy"

domingo, 2 de dezembro de 2007

Homesick


NY 26/08/2007

Dizem que é um aperto incômodo no peito que às vezes aparece para tirar a paz de quem está longe. E não tem analgésico que dê conta, nem novidade que dê jeito. Quando ele vem, de duas, uma: sentar e esperar passar ou... lembrar, lembrar e lembrar.... e chorar... e sorrir... e viver essa saudade... e curtir a nostalgia... e desejar viver aquilo de novo... um dia... e suspirar...
O domingo trouxe consigo uma lua cheia daquelas. Em meio a pessoas e fatos novos, elementos de uma outra vida - Chico ao fundo talvez fosse o mais característico deles - pincelavam uma noite diferente. Enquanto me inteirava e me entusiasmava com tantas oportunidades e possibilidades, olhava para o céu e me perdia em recordações adoráveis. Agora, doces...Um riso solto e despretensioso aguçou a curiosidade alheia. E haja história para contar... Hoje pode. Hoje é domingo...

Vida nova





NY, 22/08/2007

Saltei. O coração ainda está disparado. O nó na garganta começa a se desfazer... Muita coisa há para absorver.
Nova Iorque estava meio melancólica como meu estado de espírito... Chovia fininho e fazia frio. Senti um vazio enjoado enquanto esperava o Rafa do lado de fora do aeroporto. O medo bateu forte com o vento que veio na cara. Me senti aquecida e bem acolhida pelos amigos que me receberam... Um brinde pela chegada de uma nova integrante da casa friends puxou uma noite de bons papos embalada por acordes musicais de primeira linha. Como de costume, dormi antes de todos.
Hoje é dia de explorar!

A riscar

BSB, 18/08/2007

Eu nunca pulei de pára-quedas, mas acredito já ter vivido algumas vezes, — inclusive agora —, a sensação que antecede o salto. E sempre com a mesma intensidade. Lá em cima, a quilômetros de distância da terra firme, o vento que entra forte pela porta do avião meio aberta congela por dentro e faz suar por fora. Amarra um nó na garganta e arrepia até o último pêlo do corpo. Você hesita olhar para baixo. Uma desistência, a essa altura do campeonato, teria um efeito devastador sobre a auto-estima. No fundo, bem lá no fundo, você sabe que a experiência vai ser alucinante, incrível, única, eu diria. Sabe também que vai chegar lá em baixo uma nova pessoa. Mais confiante, independente, interessante até. Mas o medo de se espatifar paralisa. E você fica ali, estático, taquicárdico, na expectativa de que um ataque fulminante de coragem o faça saltar.... E só falta saltar... E eis que a adrenalina cumpre o seu papel. Partiu. Até lá em baixo. Amyr Klink escreveu: "Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos e, simplesmente, ir ver". Eu vou lá ver. Espero ter boas histórias na volta.